Divagar… queria explicar-lhe que não, que as coisas não eram assim tão simples, tão banais como ela dizia e teimava. Mas não me lembrava de nada… naquele preciso momento só me lembrava da imagem dela e dos lábios dela… do sorriso perdido e daqueles lindos olhos cor pôr-do-sol… das formas do seu corpo e da sua teimosia de ferro. O suor fez-me abrir a mão, lagar um pouco o pescoço à pobre da caneta… via o suor brilhar nas entre-linhas da palma da mão, via o fim de tarde… e sentia-a a ela a apertá-la suavemente e a contar-me histórias futuras.
Fechei os olhos… e durante algum tempo quieto a sentir o aglomerado de memórias a flutuar-me no cérebro… apercebi-me de que estava tudo acabado.
Não chorei… Não caiu uma única lágrima… caiu uma lágrima sim, de sangue, do fundo do meu coração… a lágrima do fim.
Voltei a abrir os olhos e como que uma rajada de vento em tempos de chuva surgiram as discussões todas… e as complicações todas… tudo o que de mau se tinha passado caíu-me finalmente nos ombros. Como pesavam… pesavam por terem cido sempre estúpidas e sem fundamento nenhum. Surgiu tudo num arrepio de calor… repentino, pela espinha acima, um calafrio gelado.
Peguei novamente na caneta e comecei a escrever:
Não me quero justificar Rosa, acho-te uma rapariga incrível, acho que deves seguir a tua vida em frente, trabalhadora e bem disposta como tens sido até hoje. Penso que não irás ter problema nenhum, nenhum mesmo. Vais alcançar todos os teus objectivos. É só tu querêres. Mas se um desses objectivos era eu, volto atrás e corrijo, serão todos menos um. Porquê…? Tentei mostrar, duma forma ou doutra, tentei explicar-me… mas a verdade é que não existe explicação. O tornado de sentimentos que existia dentro de mim foi sendo destruído por ti. Por faltares às tuas promessas e por não seres louca por mim… E lembro-me sempre de vários pormenores que me marcaram ao longo do tempo. A tua definição de ‘amar’… achei piada ao texto que vi escrito por ti, o diálogo que foste buscar para dares o teu ponto de vista. Acho que sim, acho que o filme que foste buscar é um bom exemplo de sobre o que é ‘amar’, mas o filme não é só uma cena… não é só um dialogo… é um conjunto de cenas imenso e gigante… e amar não é só o que mostra o diálogo que foste buscar… aceitar o outro… é isso sim, mas é isso e muito mais. É o que é mostrado do início ao fim do filme. Amar é viver em mudança… é realizar os sonhos de quem se ama.
Os trovões continuavam… não parava de tocar, via a luz branca a piscar fervorosamente ao fundo do quarto, ao fundo dos olhos. Sentia sono, sentia os olhos cansados e deitei-me para o lado… assim que fecho os olhos volto a lembrar-me de tudo pelo que passamos juntos, tudo de bom e de mau.
As promessas Rosa? Não significam nada? Há coisas que nos têm de ser interiores… mesmo assim quando se gosta tudo se perdôa, dão-se todas as segundas oportunidades. No final, e apesar de tudo é assim que nos acabamos por conhecer uns aos outros, na confusão e no sossego. Desdo início que tentava mostrar aquilo que sou e aquilo que quero. Sinceridade e frontalidade, o resto é relativo e muito menos importante. E não Rosa, não quero que mudes em nada, nunca quis, queria só que fosses já essas duas coisas.
Sentia os olhos ceder e apesar de ainda querer divagar por mais tempo, por mais alguns aspectos que me intrigavam, o cansaço era mais forte e hoje vencia. Depois de calado, peguei e li a última das várias mensagens que lá estavam. Com receio peguei na caneta com as forças microscópicas que ainda me restavam e de olhos semi-cerrados escrevi apenas mais uma frase:
Não Rosa, não existe nem nunca existiu durante todo o tempo, desde que te conheci até hoje, nenhuma outra mulher… só exististe tu… adeus.
Caiu-me por fim a cabeça por cima das folhas e a caneta rolou pelo lençol, caída e algures abandonada. Com o passar da noite ela esvai-se em tinta… numa mancha azul escura, negra… como a mágoa que estava a sentir naquele instante…
