Uma linha vermelha sobre o céu azul…

Entro no meu quarto e ouço o telefone tocar, berrar de forma atroz, um soluçar de medo e saudade. Olho de relance a mesinha e reparo que é ela. Acendo a luz da casa de banho e sento-me na sanita. Olho o chão e reparo em dois bichos, a correr em direcções totalmente ao calhas… totalmente perdidos. Errante no chão branco imaginei ser um deles… cego… distante… sozinho… indiferente… mas possivelmente feliz. Sentia que naquele momento éramos muito parecidos, tirando o ‘feliz’, eu era bicho. Ouço novamente o som dos “bips” a cairem como granadas, bombas descidas dos céus em guerra para me delicerarem. Julgarem me o coração… Apago as luzes, deixo só o candeeiro ligado, queria deitar-me no “puff” ou numa das redes do atrio a balouçar… acabei por pegar nos meus “phones”, deitar-me na cama e deixar o leitor percorrer a biblioteca de música como os bichos percorriam o chão… perdidos. Senti vontade de escrever, descarregar os impulsos eléctricos pelas sinapses a alta velocidade.
Divagar… queria explicar-lhe que não, que as coisas não eram assim tão simples, tão banais como ela dizia e teimava. Mas não me lembrava de nada… naquele preciso momento só me lembrava da imagem dela e dos lábios dela… do sorriso perdido e daqueles lindos olhos cor pôr-do-sol… das formas do seu corpo e da sua teimosia de ferro. O suor fez-me abrir a mão, lagar um pouco o pescoço à pobre da caneta… via o suor brilhar nas entre-linhas da palma da mão, via o fim de tarde… e sentia-a a ela a apertá-la suavemente e a contar-me histórias futuras.
Fechei os olhos… e durante algum tempo quieto a sentir o aglomerado de memórias a flutuar-me no cérebro… apercebi-me de que estava tudo acabado.
Não chorei… Não caiu uma única lágrima… caiu uma lágrima sim, de sangue, do fundo do meu coração… a lágrima do fim.
Voltei a abrir os olhos e como que uma rajada de vento em tempos de chuva surgiram as discussões todas… e as complicações todas… tudo o que de mau se tinha passado caíu-me finalmente nos ombros. Como pesavam… pesavam por terem cido sempre estúpidas e sem fundamento nenhum. Surgiu tudo num arrepio de calor… repentino, pela espinha acima, um calafrio gelado.
Peguei novamente na caneta e comecei a escrever:

Não me quero justificar Rosa, acho-te uma rapariga incrível, acho que deves seguir a tua vida em frente, trabalhadora e bem disposta como tens sido até hoje. Penso que não irás ter problema nenhum, nenhum mesmo. Vais alcançar todos os teus objectivos. É só tu querêres. Mas se um desses objectivos era eu, volto atrás e corrijo, serão todos menos um. Porquê…? Tentei mostrar, duma forma ou doutra, tentei explicar-me… mas a verdade é que não existe explicação. O tornado de sentimentos que existia dentro de mim foi sendo destruído por ti. Por faltares às tuas promessas e por não seres louca por mim… E lembro-me sempre de vários pormenores que me marcaram ao longo do tempo. A tua definição de ‘amar’… achei piada ao texto que vi escrito por ti, o diálogo que foste buscar para dares o teu ponto de vista. Acho que sim, acho que o filme que foste buscar é um bom exemplo de sobre o que é ‘amar’, mas o filme não é só uma cena… não é só um dialogo… é um conjunto de cenas imenso e gigante… e amar não é só o que mostra o diálogo que foste buscar… aceitar o outro… é isso sim, mas é isso e muito mais. É o que é mostrado do início ao fim do filme. Amar é viver em mudança… é realizar os sonhos de quem se ama.


Os trovões continuavam… não parava de tocar, via a luz branca a piscar fervorosamente ao fundo do quarto, ao fundo dos olhos. Sentia sono, sentia os olhos cansados e deitei-me para o lado… assim que fecho os olhos volto a lembrar-me de tudo pelo que passamos juntos, tudo de bom e de mau.

As promessas Rosa? Não significam nada? Há coisas que nos têm de ser interiores… mesmo assim quando se gosta tudo se perdôa, dão-se todas as segundas oportunidades. No final, e apesar de tudo é assim que nos acabamos por conhecer uns aos outros, na confusão e no sossego. Desdo início que tentava mostrar aquilo que sou e aquilo que quero. Sinceridade e frontalidade, o resto é relativo e muito menos importante. E não Rosa, não quero que mudes em nada, nunca quis, queria só que fosses já essas duas coisas.


Sentia os olhos ceder e apesar de ainda querer divagar por mais tempo, por mais alguns aspectos que me intrigavam, o cansaço era mais forte e hoje vencia. Depois de calado, peguei e li a última das várias mensagens que lá estavam. Com receio peguei na caneta com as forças microscópicas que ainda me restavam e de olhos semi-cerrados escrevi apenas mais uma frase:

Não Rosa, não existe nem nunca existiu durante todo o tempo, desde que te conheci até hoje, nenhuma outra mulher… só exististe tu… adeus.


Caiu-me por fim a cabeça por cima das folhas e a caneta rolou pelo lençol, caída e algures abandonada. Com o passar da noite ela esvai-se em tinta… numa mancha azul escura, negra… como a mágoa que estava a sentir naquele instante…

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