Quem eras tu?

Com o meu jeito super tímido, entrei na carruagem do metro e encostei-me à direita, junto da porta virado para o centro. O comboio arrancou e os meus olhos curiosos arrancaram também, navegaram pelo espaço, absorvendo as feições todas ali presentes. Não muito longe dali, a pouco mais de 3 metros, outros dois olhos faziam precisamente o mesmo, passeavam tímida e muito descontraidamente por todos os seres presentes na carruagem. Num acaso, ambos os olhares se cruzam, 4 olhos inquietos. Por instinto ambos se retraem, recuam e fazem-se assustados. Um rir interior, uma gargalhada invisível. Porquê esta reacção? O calor do desconhecido e de sorriso escondido, surge uma pequena força, um empurrão. Primeiro os olhos dela fixam-se em mim. Depois os meus olhos fixam-se nela. O choque passara, mesmo assim, só se cruzavam olhares por intervalos. As estações passavam. O fim da viagem dela está a chegar. Levanta-se subtilmente e muito de suave avança para a porta. Bem perto de mim, pára à espera das portas abrirem. Um braço de distância. O que é um braço de distância? Essa distância? Uma palavra? Um olhar? Um sorriso? Uma careta? Um suspiro? O bater do meu coração dispara! O calor aumenta. Sem olhar directamente para ela sinto que ela me olha fixamente. Terei algo na cara? Sujo? Demasiadas borbulhas? Cicatrizes? Uma feição triste? Zangada? Carrancuda? O abrandar do comboio diz que as portas estão prestes a abrir. Depois de abertas, ela vai sair, continuar a vida normal dela e eu a minha. Monótona. Abriram. Voltaram a fechar. O comboio voltou a arrancar.
Será que pensaste em mim nos dias seguintes, cada vez que percorrias aquele pedaço de metro? Será que pensaste em mim algum momento que seja, mesmo quando ali estava perto de ti?
Talvez. Talvez não. Eu pensei. Como serias? Do que gostavas? O que fazias? Eras lindíssima, isso eu vi. Talvez não gostasse do pormenor do umbigo à mostra ou do pequenino piercing que tinhas na narina. Ou talvez fosse precisamente isso que te distinguia e me atraía. Te fazia assim tão especial e diferente. De livros na mão. Sozinha. A menina do metro…
E os olhos ainda navegam nas carruagens, pelo menos os meus. Os teus talvez não. Talvez tenham coração…

(Este texto não foi escrito neste dia, mas tropecei nele neste dia e apeteceu pôr. Escrevi-o na segunda semana em que passei a morar cá em Lisboa, os primeiros dias, digamos assim, que por cá passei a viver por estes lados.)

Uma linha vermelha sobre o céu azul…

Entro no meu quarto e ouço o telefone tocar, berrar de forma atroz, um soluçar de medo e saudade. Olho de relance a mesinha e reparo que é ela. Acendo a luz da casa de banho e sento-me na sanita. Olho o chão e reparo em dois bichos, a correr em direcções totalmente ao calhas… totalmente perdidos. Errante no chão branco imaginei ser um deles… cego… distante… sozinho… indiferente… mas possivelmente feliz. Sentia que naquele momento éramos muito parecidos, tirando o ‘feliz’, eu era bicho. Ouço novamente o som dos “bips” a cairem como granadas, bombas descidas dos céus em guerra para me delicerarem. Julgarem me o coração… Apago as luzes, deixo só o candeeiro ligado, queria deitar-me no “puff” ou numa das redes do atrio a balouçar… acabei por pegar nos meus “phones”, deitar-me na cama e deixar o leitor percorrer a biblioteca de música como os bichos percorriam o chão… perdidos. Senti vontade de escrever, descarregar os impulsos eléctricos pelas sinapses a alta velocidade.
Divagar… queria explicar-lhe que não, que as coisas não eram assim tão simples, tão banais como ela dizia e teimava. Mas não me lembrava de nada… naquele preciso momento só me lembrava da imagem dela e dos lábios dela… do sorriso perdido e daqueles lindos olhos cor pôr-do-sol… das formas do seu corpo e da sua teimosia de ferro. O suor fez-me abrir a mão, lagar um pouco o pescoço à pobre da caneta… via o suor brilhar nas entre-linhas da palma da mão, via o fim de tarde… e sentia-a a ela a apertá-la suavemente e a contar-me histórias futuras.
Fechei os olhos… e durante algum tempo quieto a sentir o aglomerado de memórias a flutuar-me no cérebro… apercebi-me de que estava tudo acabado.
Não chorei… Não caiu uma única lágrima… caiu uma lágrima sim, de sangue, do fundo do meu coração… a lágrima do fim.
Voltei a abrir os olhos e como que uma rajada de vento em tempos de chuva surgiram as discussões todas… e as complicações todas… tudo o que de mau se tinha passado caíu-me finalmente nos ombros. Como pesavam… pesavam por terem cido sempre estúpidas e sem fundamento nenhum. Surgiu tudo num arrepio de calor… repentino, pela espinha acima, um calafrio gelado.
Peguei novamente na caneta e comecei a escrever:

Não me quero justificar Rosa, acho-te uma rapariga incrível, acho que deves seguir a tua vida em frente, trabalhadora e bem disposta como tens sido até hoje. Penso que não irás ter problema nenhum, nenhum mesmo. Vais alcançar todos os teus objectivos. É só tu querêres. Mas se um desses objectivos era eu, volto atrás e corrijo, serão todos menos um. Porquê…? Tentei mostrar, duma forma ou doutra, tentei explicar-me… mas a verdade é que não existe explicação. O tornado de sentimentos que existia dentro de mim foi sendo destruído por ti. Por faltares às tuas promessas e por não seres louca por mim… E lembro-me sempre de vários pormenores que me marcaram ao longo do tempo. A tua definição de ‘amar’… achei piada ao texto que vi escrito por ti, o diálogo que foste buscar para dares o teu ponto de vista. Acho que sim, acho que o filme que foste buscar é um bom exemplo de sobre o que é ‘amar’, mas o filme não é só uma cena… não é só um dialogo… é um conjunto de cenas imenso e gigante… e amar não é só o que mostra o diálogo que foste buscar… aceitar o outro… é isso sim, mas é isso e muito mais. É o que é mostrado do início ao fim do filme. Amar é viver em mudança… é realizar os sonhos de quem se ama.


Os trovões continuavam… não parava de tocar, via a luz branca a piscar fervorosamente ao fundo do quarto, ao fundo dos olhos. Sentia sono, sentia os olhos cansados e deitei-me para o lado… assim que fecho os olhos volto a lembrar-me de tudo pelo que passamos juntos, tudo de bom e de mau.

As promessas Rosa? Não significam nada? Há coisas que nos têm de ser interiores… mesmo assim quando se gosta tudo se perdôa, dão-se todas as segundas oportunidades. No final, e apesar de tudo é assim que nos acabamos por conhecer uns aos outros, na confusão e no sossego. Desdo início que tentava mostrar aquilo que sou e aquilo que quero. Sinceridade e frontalidade, o resto é relativo e muito menos importante. E não Rosa, não quero que mudes em nada, nunca quis, queria só que fosses já essas duas coisas.


Sentia os olhos ceder e apesar de ainda querer divagar por mais tempo, por mais alguns aspectos que me intrigavam, o cansaço era mais forte e hoje vencia. Depois de calado, peguei e li a última das várias mensagens que lá estavam. Com receio peguei na caneta com as forças microscópicas que ainda me restavam e de olhos semi-cerrados escrevi apenas mais uma frase:

Não Rosa, não existe nem nunca existiu durante todo o tempo, desde que te conheci até hoje, nenhuma outra mulher… só exististe tu… adeus.


Caiu-me por fim a cabeça por cima das folhas e a caneta rolou pelo lençol, caída e algures abandonada. Com o passar da noite ela esvai-se em tinta… numa mancha azul escura, negra… como a mágoa que estava a sentir naquele instante…

Dúvidas Repentinas

Andávamos nisto à dois dias. Decidi convida-la para jantar comigo, na marina.

De início receei que ela não pudesse ou não quisesse, podia ter trabalho ou assim, mas tive sorte naquele dia não tinha nada de importante.
Ainda sentia uma pontinha de nervos vir de ambas as partes, afinal conhecíamo-nos à muito pouco tempo. Apesar de tudo, o passeio até ao restaurante e o jantar em si relaxaram-nos. No fim paguei a conta e saímos, em direcção a uns bancos que existiam ali perto, numa zona verde com uns canteiros e um riacho pelo meio.
Conversamos por algum tempo e a certo momento era perfeito. Passou-se então um silêncio e nesse silêncio fiquei em dúvida se a beijava ou não, ela entretanto adiantou-se, e aproximou-se devagar dos meus olhos pelo que a pouco e pouco percebi que ela me queria mesmo beijar.
Sorri interiormente e pensei para mim:
-“Sentimos o mesmo…”
No entanto parei-lhe o movimento do corpo com a força das mãos e braços e olhei muito sério para ela, olhos nos olhos.
– Rosa, estamos a andar muito depressa e eu não me sinto bem – disse.
E coitada, ficou muito séria durante uns segundos e curvou um pouco a cabeça para baixo.
Coloquei-lhe a minha mão por debaixo do queixo e fiz com que me voltasse a olhar nos olhos. Tinha um brilho nos cantos dos olhos que ameaçavam lágrimas e um olhar tão doce e tristonho que me arrependi profundamente de brincar tão injustamente com a situação. Dei-lhe um beijo na testa e coloquei os meus olhos ao nível dos dela, sorri e disse muito devagar:
-Não és tu quem toma essas iniciativas, sou eu – e ao mesmo tempo que terminei a frase mordi-lhe a pontinha do nariz sem fazer força e sem magoar.
Vi duas lágrimas pequeninas deslizarem-lhe pelo rosto e um sorriso livre e sincero surgir-lhe na face. Aproximei-me por fim e os nossos lábios uniram-se então finalmente…

Aquela mão…

Há coisas que nunca se apagam da nossa memória,todos sabemos que é verdade…
Lembro-me de uma mão… aquela mão… dedos elegantes e suaves, juntos no gelo da noite… um roçar doce que me aquecia a palma da mão… tosca e bruta…
Com o deslizar… calor… daquela mão tão fina e delicada… era tudo, aquele juntar de mãos era o mundo naquele instante, o meu mundo.
Naquela noite… impossível esquecer, tenho as imagens tal qual como
se fosse hoje… agora… neste preciso momento.

A força com que ela me apertava o braço e se aproximava com frio.
O tremer… exterior e interior, um bater descomunal e crescente… o nascer de uma paixão, eterna…
Aquela praia… o som do mar… nada se comparava… nada se comparava mesmo…
Aquele olhar… impossível descrever por mortais palavras…
O frio era muito, o calor era muito…
Parar o tempo era perfeito… perfeito.
Era ali que eu queria viver, parado no tempo com ela, para sempre…